"Ele herdou do Stálin
Tudo que sempre quis
Gosta do Berlusconi
De caçar também
O Serguei é antigay
Vive sem amar
Ele pensa que esse mundo
É bola de bilhar
Prende a ambientalista
Mata a jornalista
Amigo vira inimigo
Caso se arriscar
Plutônio popular
Síria nuclear
Coração da Sibéria
Se acha um Czar
Nega o mês de outubro
Falsa unidade
Em Biriulevo é barato
Quero imigrar
Chechênia é do Alá
Não tradicional
Inguchétia é longe
Rodina vai quebrar"
(Cañotus, Serguei)
A Rússia é o país onde fatos e versões se chocam. Atenção, não falei em Rússia atual ou antiga. Os socos e pontapés entre a camada divulgada da história e o, digamos, pré-sal da realidade ocorrem desde sempre.
Talvez o czar Ivan, o Terrível, tão lindamente descrito no filme "Ivan", de Pavel Lounguine, tenha tido algo a ver com isso.
Das torturas a que submeteu seus súditos, muito menos se soube na época -e pouco se revelou depois.
Da mesma forma, o triste fim do czarismo só teve exumação recente, despojos eventualmente identificados -e a princesinha caçula, que só reapareceu no livro delicioso de John Boyne, "O Palácio de Inverno".
Sem falar nos poucos gritos e muitos sussurros ("Sussurros" é o título do livro de Orlando Figes, que descreve a URSS com precisão) de todo o período sob comando e desmando de Joseph Stálin.
Aqui chegamos ao que aparentemente interessa: à hereditariedade ditatorial do poder russo. O qual permite que o que se faça e o que se diga que fez tenham remota relação.
O que autoriza que as autoridades do governo, suspeito do assassinato do opositor Boris Nemtsov, possam se dar ao luxo de deter, acusar e levar à confissão dois homens da região do Cáucaso de quem não se tinha ouvido falar até 7 de março, uma semana após a morte.
Vocês vão dizer que todo poder autoritário funciona assim. E mais: vão eventualmente comparar o presidente Vladimir Putin a Hitler, como muitos vêm fazendo. Tudo com argumentações cheias de razão.
Acontece que a razão, a sensatez, o comum pouco valem no complexo magma da alma russa.
Da mesma forma que as autoridades negaram de pés juntos estarem ajudando (ou incitando) os separatistas na Ucrânia e também fingiram nem ter tentado congelar os ucranianos no último inverno, fechando os oleodutos que abastecem o país, é muita ingenuidade acreditar que uma dupla de pobres coitados (com posteriores suspeitas cicatrizes de tortura), supostamente enviados por algum fanático religioso, tivesse a
audácia de fazer aquilo tudo a 200 metros do Kremlin. E ainda acertar o alvo.
Quem mata na porta de casa é por conhecer o terreno, diz a sabedoria presidiária.
Em "Leviatã", o recente e premiado filme de Andrey Zvyagintsev, todo o habitual jogo de influência, assédio, associações oportunistas (como entre o prefeito da cidade e o líder religioso, ou entre a esposa adúltera e o advogado) de qualquer governo corrupto é desenterrado.
Mas além disso, e daí talvez seu sucesso, revela-se o lado infantil e permissivo daquele povo, que gosta de ironizar: Nie lzia, no mojno -"é proibido, mas pode".
Como se os russos, apoiados pelo fato metafórico de viverem pelo menos um século atrás do restante da Europa, fossem eternas crianças.
As quais, por mais arteiras e infratoras que sejam, confiam em seu próprio poder encantatório. E os pobres ocidentais -os supostos adultos- acabam desarmados e perplexos, sem saber punir tamanha ousadia e sedução. Mas a superfície da neve continua branca e intacta.
VIVIEN LANDO é diretora cênica de ópera e escritora, publicou "Balalaicase Mandolinas" (Objetiva), sobre a sua estadia na Rússia
Há algo de bem tradicional no filme "Leviatã", dirigido por Andrey Zvyagintsev: em 2014, ele propõe algo como nos revelar a "realidade russa" do século 21. Mas hoje acreditamos que a "realidade" não é mais do que isso, ou seja, uma palavra entre aspas: uma construção.
Ainda assim, "Leviatã" ganhou um prêmio de melhor roteiro em Cannes pela história de Kolya, o homem que enfrenta praticamente sozinho o corrupto governo da pequena cidade em que vive, no norte da Rússia.
Kolya vive com seu filho e a mulher (que não é a mãe do garoto) em um sítio que o prefeito acaba de desapropriar a preço de banana. A Justiça (que o político também controla) não recebe os apelos de Kolya. Todas as esperanças estão depositadas no amigo e advogado Dimitri, que possui um dossiê bem comprometedor sobre o prefeito. Mas este tem algumas cartas na manga de que lançará mão.
A tragédia de Kolya começa a se desenhar plenamente quando o amigo advogado transa com sua mulher. A princípio este dado parece introduzido um pouco a fórceps na trama. Aos poucos, percebemos que é, na verdade, o dado central.
Porque, em princípio, o que pretende nos mostrar Zvyagintsev é uma Rússia corrupta e autoritária, mais descendente do que sucessora do Estado soviético que a precedeu. Não por acaso aparecem ali retratos de Lênin, Brejnev, Putin etc.
Mas o que interessa de fato, aquilo que está acima da "realidade russa", é a realidade russa que podemos apreciar. Não apenas a paisagem belíssima, mas os tristes conjuntos habitacionais do tempo do comunismo, o hotel interiorano, o modo de vida (as trabalhadoras no ônibus, por exemplo, mas também as bebedeiras homéricas) etc.
E, sobretudo, as relações pessoais, tão deterioradas quanto o Estado é controlado por máfias. Talvez o aspecto mais original do filme venha da acusação (algo velada, mas ainda assim) da participação ativa da Igreja Ortodoxa Russa nessa esbórnia.
Essa Rússia que o autor vê quase como uma doença milenar ganha aqui um relato vivo e bem copioso. Se não adere ao cinema soviético, nem ao misticismo conservador, esse cinema bem laico parece buscar apoio mais na literatura pontuada por excessos da Rússia do século 19.
Obra mescla ficção com memórias de escritor controverso
Por RACHEL DONADIO
PARIS - Emmanuel Carrère, um dos mais conhecidos escritores franceses, encontrou um personagem perfeito em Eduard Limonov, que se descreve como o Johnny Rotten dos escritores soviéticos dissidentes. O resultado é o livro "Limonov" (ed. Alfaguara), com o subtítulo "as ultrajantes aventuras do poeta soviético radical que se tornou um vagabundo em Nova York, uma sensação na França e um anti-herói político na Rússia".
Carrère direciona sua mescla de ficção com reportagem biográfica e o seu interesse por grandes questões para esse poeta russo cuja classificação é impossível: ao mesmo tempo um rebelde e um totalitário, um escritor obsceno de memórias semificcionais que, após anos no Ocidente, ficou ao lado dos sérvios na guerra da Bósnia e depois retornou à Rússia para se tornar um agitador político ultranacionalista.
Carrère, cuja família materna é russa, disse que viu em Limonov algo emblemático sobre o mundo pós-soviético. Os dois se conheceram em Paris no começo dos anos 1980, e Carrère retomou o contato em 2008. Passou duas semanas em Moscou com Limonov, que tentava, sem sucesso, levar ao Parlamento o seu Partido Bolchevique Nacional, composto por um espectro de pessoas que vão de skinheads ultranacionalistas a desajustados da contracultura.
"Depois de duas semanas, não sabia o que eu achava dele -se eu gostava dele ou não e se o achava um mocinho ou um vilão", disse Carrère, 56.
O livro começa com uma citação do presidente russo, Vladimir Putin: "Quem quer a União Soviética de volta não tem cérebro. Quem não sente saudades dela não tem coração". Essa complexa nostalgia é o tema central de "Limonov", assim como a interação entre o radicalismo e o revanchismo; a atração pelo fascismo, mesmo dentro da classe criativa; e a ingenuidade da "intelligentsia" ocidental ao pensar que a história, ou pelo menos o nacionalismo, acabaria depois da Guerra Fria.
A obra se baseia em grande parte nas memórias semificcionais de Limonov. Afinal, como Carrère conseguiria saber o que passou pela cabeça do autor russo quando este fazia amor com uma de suas problemáticas mulheres ou muitas namoradas? Ou que ele teve uma experiência semelhante a atingir o nirvana quando esteve na prisão? "Não fiz checagem nenhuma", disse Carrère. "Se estiver errado, não me importo."
Limonov, que hoje tem 71 anos e leva uma vida modesta em Moscou, chama-se na verdade Eduard Savenko. Mudou de nome como "homenagem ao seu humor ácido e combativo, porque 'limon' significa limão, e 'limonka' é uma gíria para um tipo de granada de mão", escreve Carrère. Depois de fazer trabalhos subalternos e cometer pequenos crimes, Limonov começou a escrever poesia. Em 1974, fugiu de Moscou para Nova York.
Ao contrário de Joseph Brodsky e Yevgeny Yevtushenko, poetas dissidentes a quem ele inveja e despreza, Limonov teve uma vida marcada pelas drogas, pela violência e pelo sexo.
Quando Limonov chegou à França, em 1980, estava desfrutando do sucesso de "It's Me, Eddie", livro de memórias fictícias sobre sua vida em Nova York.
"O que ele tem na cabeça é medonho", escreve Carrère, "mas você precisa admirar a honestidade com a qual ele descarrega isso: ressentimento, inveja, ódio de classe, fantasias sádicas, mas sem hipocrisia, sem constrangimento e sem desculpas". NYT, 11.11.2014.
"Os 12 Trabalhos de Putin" adapta fatos da mitologia grega à história recente da Rússia
DO "GUARDIAN"
"An vis patus, utemorum opoporum tam, cotiam. Quam, ut venti, sto eo halinam, notin noractes noc vera renatus, quemoltusat, nox mo et? O ta interud essilnestici se estraris, omnescri ci
Uma exposição de apenas um dia em uma pequena galeria de Moscou mostra que o presidente russo, Vladimir Putin, pode não ser um deus, mas é um super-herói.
Realizada como homenagem ao 62º aniversário do presidente --nesta terça-feira (7)--, a mostra "Os 12 Trabalhos de Putin" o retrata como o herói da mitologia grega Hércules.
A morte do leão da Nemeia --Putin estrangulando um homem barbado com um colete explosivo, representando o terrorismo-- abre a exposição, que termina com a captura de Cérbero, o cão de três cabeças, que simboliza a luta contra os EUA e o "mundo monopolar".
Uma das pinturas, com tinta dourada sobre um fundo preto, ao estilo das cerâmicas da Grécia clássica, mostra Putin, musculoso, erguendo seu escudo contra o hálito venenoso da Hidra de Lerna --ou seja, as sanções ocidentais contra a Rússia.
HIDRA SEM CABEÇA
A cabeça norte-americana da hidra foi decepada, refletindo a proibição pela Rússia da importação de alimentos dos EUA e da União Europeia, informou Mikhail Antonov, o organizador da exposição.
"Estamos formando uma imagem diferente de Putin, porque a mídia ocidental o critica constantemente, e nossa mídia ocasionalmente também o ataca", disse.
Antonov, aluno de pós-graduação em ciência política na Universidade de Moscou, diz que os quadros, que pretende dar de presente ao presidente, foram pintados por artistas anônimos integrantes de um grupo no Facebook que é fã de Putin.
As pinturas se concentram principalmente em acontecimentos atuais.
Entre eles estão o recente contrato de fornecimento de gás à China, a aquisição planejada dos navios de guerra franceses da classe Mistral e o cessar-fogo na Ucrânia, negociado em Minsk, capital de Belarus. Folha, 08/10.14
Reportagem de Steven Lee Myers, Jo Becker e Jim Yardley
SÃO PETERSBURGO, Rússia - Semanas depois de o presidente Vladimir Putin anexar a Crimeia, um órgão regulatório de Moscou conhecido como o Conselho de Mercado se reuniu para discutir o mercado nacional de eletricidade ao atacado.
Trata-se de um negócio colossal, que representa 2% do PIB russo, e uma rica fonte de taxas para o banco que há muito tempo detém a exclusividade com o setor.
Naquele dia de abril, sem aviso prévio ou discussão pública, o conselho votou a transferência das transações com o mercado elétrico para o banco Rossiya, uma instituição menor que não tinha a capacidade de absorver o trabalho de imediato.
Para o banco Rossiya, foi uma dádiva, prevista para lhe render US$ 100 milhões (R$ 250 milhões) ou mais em comissões anuais. Mas era apenas o começo. De repente, estatais, governos locais e até a Frota do Mar Negro, na Crimeia, transferiram suas contas para o banco.
A sorte "caída do céu" para o Rossiya estava transmitindo uma mensagem. Em março, os EUA tinham transformado o banco em um dos principais alvos de sanções, isolando-o do sistema financeiro global. Agora o Kremlin estava reagindo.
A corrida para reforçar o banco Rossiya, que hoje tem ativos de quase US$ 11 bilhões (R$ 27,5 bilhões), se deu pela mesma razão que os EUA e mais tarde seus aliados europeus o puseram na lista das sanções: seu status privilegiado de "banco pessoal", segundo a descrição de Washington, do círculo interno de Putin.
O Rossiya é símbolo do modo em que o capitalismo clientelista à moda de Putin transformou os partidários fiéis do presidente em bilionários cuja influência sobre a economia vem ajudando o presidente a conservar seu domínio férreo do poder.
Agora as sanções põem à prova a resiliência de seu sistema econômico e político. Ao mesmo tempo em que Obama argumenta que as medidas contra o círculo interno de Putin estão onerando a economia russa e os magnatas que a dominam, muitos ironizam as sanções, descrevendo-as como mera irritação de pouca monta.
"Ele deu e ele tirou", disse Mikhail Kasyanov, que foi primeiro-ministro no primeiro mandato de Putin. "Eles dependem de Putin, e Putin depende deles."
"Uma variedade de amigos"
Quando o último líder soviético, Mikhail Gorbachev, começou a permitir experimentos com o empreendimento privado, na década de 1980, São Petersburgo ainda era Leningrado, uma sombra pobre da capital czarista que foi no passado.
Um dos primeiros a aderir à livre iniciativa foi Yuri Kovalchuk, do Instituto Físico Técnico Ioffe. Ele fundou uma empresa para transformar o trabalho científico em produtos comercialmente viáveis.
Outro foi Gennady Timchenko, ex-funcionário soviético que fez uma cooperativa para exportar produtos de uma refinaria no mar Báltico. O que aproximou Putin deles foi a queda do Muro de Berlim.
Depois de cinco anos como agente da KGB na Alemanha Oriental, Putin ingressou num novo comitê de relações econômicas externas e, mais tarde, na prefeitura de São Petersburgo, que trabalhava com empreendedores emergentes, regulando o comércio e distribuindo contratos para obras e serviços na cidade.
Alguns dos negócios fechados provocaram controvérsia, especialmente um acordo selado durante o inverno de fome de 1991-92 envolvendo a troca de óleo, metal e outros produtos por alimentos.
Dos alimentos negociados no acordo, virtualmente nada se concretizou, e um comitê da Câmara de Vereadores tentou, mas não conseguiu, depor Putin.
Apesar de tudo, era visto como um gestor eficiente e discreto que ajudava empresários a superar a burocracia. Sua fluência no alemão era útil para os alemães que queriam se fixar em São Petersburgo.
Um destes era Matthias Warnig, ex-agente da Stasi, polícia secreta da Alemanha Oriental. Ele abriu um dos primeiros bancos estrangeiros da cidade, o Dresdner. Putin estava ao mesmo tempo formando novos amigos e deitando as bases de algo que evoluiria para se transformar no sistema capitalista patrocinado pelo Estado, que hoje é a base de seu poder.
"Era um ambiente favorável para a formação de uma gama tão grande de amigos", explicou Mikhail I. Amosov, ex-membro da Câmara de São Petersburgo.
Em muitos casos, contratos e bens eram distribuídos em acordos fechados com informações privilegiadas, muitas vezes sem licitação aberta ou transparente. "Tudo era decidido por contatos pessoais. Não gostávamos disso."
Um dos beneficiários era o banco Rossiya. Ele foi fundado em 1990 pelo Partido Comunista local, mas, com a queda da União Soviética, estava praticamente falido. Em dezembro de 1991, Kovalchuk e um grupo de amigos compraram o banco. Os investidores incluíam outros três membros do instituto -Victor Myachin, Andrei Fursenko e Vladimir Yakunin. De acordo com a imprensa, a prefeitura abriu contas grandes no banco e com isso o levantou.
Timchenko, o exportador de petróleo, ingressou no círculo do banco Rossiya como investidor; de acordo com a instituição, sua participação pertence a uma companhia que ele controla. Mais tarde, o alemão Warnig entraria para a diretoria do Rossiya.
E havia Sergei Roldugin, diretor da Casa de Música, uma academia de formação de músicos. Ele tinha conhecido Putin na década de 1970 e é padrinho da filha mais velha do atual presidente, Maria.
Seu investimento no banco comandado por homens próximos a seu velho amigo envolveu "muitas manipulações", em suas próprias palavras. Hoje o banco o cita como dono de 3,2% de suas ações. No papel, Roldugin tem uma fortuna de US$ 350 milhões (R$ 875 milhões).
O período de Putin em São Petersburgo terminou em 1996, quando seu chefe não se reelegeu. Então, Putin passou a receber ordens do presidente Boris Ieltsin.
E, quando Ieltsin inesperadamente o promoveu para primeiro-ministro e depois presidente interino, na véspera do Ano Novo de 1999, a sorte de muitos de seus amigos -e do pequeno banco deles- começou a mudar.
"Banco Rossiya, é isso"
Os ativos do banco Rossiya se multiplicariam por dez no segundo mandato de Putin (2004-2008). Um fator crucial para esse crescimento foi a capacidade do banco de comprar ativos antes pertencentes à estatal Gazprom.
Os negócios foram documentados em relatórios de Boris Nemtsov, um ex-vice-primeiro-ministro, Vladimir Milov, um ex-vice-ministro da Energia, e outros. Segundo a estimativa deles, "o valor total dos ativos drenados da Gazprom" foi de US$ 60 bilhões (R$ 150 bilhões). Um dos primeiros negócios envolveu uma das maiores seguradoras do país, Sogaz.
O Rossiya adquiriu o controle da Sogaz por cerca de US$ 100 milhões (R$ 250 milhões), segundo Nemtsov e Milov, que mais tarde avaliaram a empresa em US$ 2 bilhões (R$ 5 bilhões). "Putin disse 'o banco Rossiya, é isso'", Milov falou à "Forbes" russa.
A Sogaz tornou-se a seguradora preferencial de estatais como a Russian Railways, chefiada por Yakunin, e a gigante petrolífera Rosneft, já então comandada por Igor Sechin, que tinha sido vice de Putin em São Petersburgo.
A Sogaz também adquiriu 75% da Leader, que administrava o fundo de pensões da Gazprom, Gazfond, que movimenta US$ 6 bilhões (R$ 15 bilhões). O preço de compra foi US$ 30 milhões (R$ 75 milhões), menos que os lucros da Leader naquele ano.
Ao mesmo tempo, Kovalchuk, o presidente do banco, começou a formar um império que hoje controla alguns dos maiores jornais e emissoras de TV e rádio russos. "A primeira meta foi conquistar o controle da mídia", disse Roman Pivovarov, analista da mídia russa.
"Mas isso foi conseguido relativamente cedo. Portanto, o que estava em jogo o dinheiro. O quadro hoje é claro: a grande mídia pertence ao círculo de pessoas que controlam não apenas a política, mas a economia da Rússia."
Em 2008, o segundo mandato de Putin estava chegando ao fim, e o império de mídia do Rossiya lhe serviu como voz de apoio quando ele decidiu ser primeiro-ministro. Então, em 2012, Putin anunciou que concorreria a um terceiro terceiro mandato presidencial. Ninguém duvidou de sua vitória.
"Um banco médio"
No dia depois de Obama ter incluído o Rossiya na lista negra das sanções, Putin se reuniu com seu conselho de segurança nacional.
Informado de que 20 pessoas tinham sido submetidas a sanções -entre elas três membros do conselho de segurança, seus conterrâneos-, o presidente ironizou: "Deveríamos nos distanciar deles. Eles nos comprometem."
Quando ao Rossiya, ele disse: "Pelo que eu me lembre, é um banco médio. Não tenho conta nele, mas vou abrir uma na segunda."
Mais tarde ele pediu que seu salário oficial -de US$ 7.500 mensais (R$ 18.750)- fosse depositado na conta que abriu no Rossiya.
O gesto público do presidente, disse Kovalchuk em rara entrevista à televisão, valeu ao banco uma enxurrada de clientes, incluindo uma senhora velha e pobre que queria depositar suas economias.
Para uma instituição com ativos de bilhões de dólares, "essa idosa não significa nada em termos financeiros, mas o fato vale mais que qualquer investimento financeiro", disse Kovalchuk. "Existe um 'fator Putin', e é incondicional. O fato é que as pessoas sentem de que lado das barricadas os negócios se posicionam."
Os esforços de Putin para proteger o banco não foram apenas simbólicos. Ele instruiu o Banco Central a ajudar o dar assistência ao Rossiya, se fosse preciso.
Empresas energéticas estatais transferiram suas contas para lá, e os governadores de São Petersburgo e região mandaram as instituições estatais de suas jurisdições fazerem o mesmo. E em abril o Conselho de Mercado transferiu o negócio para o Rossiya.
Não é sabido por quanto tempo o governo poderá continuar a apoiar as instituições que enfrentam sanções. A economia russa já passava por dificuldades antes da anexação da Crimeia. O Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento previu que, com as sanções e do embargo de Putin sobre a importação de bens do Ocidente, a economia pode se contrair em 2015.
O governo anunciou que vai injetar US$ 6,6 bilhões (R$ 16,5 bilhões) em dois bancos estatais cujo acesso a capitais estrangeiros foi cortado. E a Rosneft, de Sechin, pediu um empréstimo de US$ 42 bilhões (R$ 105 bilhões).
Putin denunciou as sanções como ataques injustos contra pessoas que não exercem influência sobre a política externa russa.
"Sim, essas pessoas são minhas amigas, e tenho orgulho de ter amigos assim", declarou em um fórum econômico promovido em São Petersburgo em maio.
"Eles são patriotas verdadeiros, e seus negócios são orientados à Rússia. As sanções os prejudicaram? Sim. Mas eles são empreendedores experientes e trouxeram seu dinheiro de volta para a Rússia. Portanto, não é preciso preocupar-se demais com eles." NYT, 07.10.14
Modelo nacionalista russo parece continuar forte, apesar de PIB volátil e defasagem tecnológica
A Rússia é de extremos. O seu capítulo no livro "Padrões de Desenvolvimento Econômico, Estudo Comparativo de 13 Países: América Latina, Ásia e Rússia", escrito por Numa Mazat e Franklin Serrano, traça um panorama de sua trajetória econômica desde o pós-Guerra, marcada pelo comunismo e seu drástico fim.
De 1950 a 1974, houve relativo sucesso na industrialização da antiga URSS, mantendo expansão média da renda per capita de 3,5% anuais.
Para tanto, se recorreu a matérias-primas de baixo custo e à mão de obra advinda da mecanização agrícola e da incorporação das mulheres na força produtiva.
O país criou uma estrutura industrial diversificada e acabou com o desemprego e a pobreza. O modelo se esgotou juntamente com as reservas de mão de obra, o que levou o governo a buscar um novo caminho nas inovações. Porém a organização centralizada se mostrou inapropriada ao desafio.
Além da ausência de pressão dos concorrentes, uma empresa, em vez de ver nas inovações uma fonte de ganho, as tinham como problema burocrático, como ter que realocar a mão de obra tornada redundante por aumentos de produtividade.
Diferentemente dos EUA, onde as Forças Armadas geram tecnologias aproveitadas pelas empresas, na URSS a prioridade de Defesa tornava absolutamente secretos os avanços obtidos. Ademais, processos e produtos tinham que poder ser convertidos para o uso em guerras, tornando-os mais custosos e de menor qualidade. Por exemplo, aviões, tratores e caminhões civis tinham especificações militares.
Na agricultura, os ganhos de produtividades não persistiram em razão da dificuldade de ocupar terras em regiões de frio intenso.
As dificuldades tecnológicas e de segurança alimentar exigiam que a URSS elevasse suas importações de bens de capital, insumos de informática, cereais etc. Para financiá-las, o país direcionou a produção de petróleo e gás para a exportação.
A URSS passou a depender da tecnologia do Ocidente e dos preços internacionais das matérias-primas. Nos anos 80, o choque dos juros americanos e a reversão dos choques do petróleo levaram à crise no balanço de pagamentos.
As reformas da perestroika tentaram combater a ineficiência produtiva dando mais autonomia às empresas, que adotaram o modelo de autogestão e depois foram sendo dominadas por gerentes.
Os resultados foram desastrosos: os conselhos de trabalhadores elevaram a apropriação de renda, reduzindo os investimentos; o Estado deixou de ter as receitas das estatais, o que aumentou o deficit fiscal, o excesso de demanda e os problemas de escassez; as contas externas pioraram etc.
De 1975 a 1991, a renda per capita cresceu em média 0,2% ao ano. O fim da URSS e a transição para um capitalismo liberal pioraram a situação: de 1992 a 1998, o indicador teve queda de 6,9%.
A liberalização de preços trouxe um surto inflacionário, que acabou com o excesso de demanda, mas também derrubou o investimento e o gasto público.
A liberalização financeira --que permitiu até que as firmas não internalizassem as divisas das exportações--, em vez de atrair recursos, levou à fuga de capitais.
A partir de 1995, câmbio fixo e juros altos foram usados para estabilizar a moeda. Todavia, a valorização cambial, a perda de reservas e os efeitos da crise asiática de 1997 levaram à crise russa um ano depois.
É nesse contexto que a partir de 1999 ascendem ao poder governos nacionalistas. Além de ter contado com altas do petróleo, o regime forçou a internalização de 75% das divisas nas vendas externas, acumulou reservas (de US$ 11 bilhões em 1999 para US$ 600 bilhões em 2008), reduziu os juros reais de 20% ao ano para taxas negativas, estatizou banco, taxou as exportações de commodities, entre outras políticas ativistas. De 1999 a 2008, a renda per capita cresceu a 7,2% anuais.
É verdade que as contas externas e fiscais permanecem dependentes dos preços das commodities. A movimentação de capitais continua ampla, podendo deixar o país vulnerável mesmo com superavit corrente. Tais restrições se evidenciaram de novo com a crise internacional a partir de 2008, que trouxe volatilidade ao crescimento.
Ainda assim, embora continue defasada tecnologicamente, a Rússia não tem sinais de desindustrialização, como ocorre em outros países ricos em recursos naturais. Com pontos fortes, limites e contradições estruturais, o modelo nacionalista parece se manter forte. Folha, 04.09.2014.
A Rússia terá que pagar uma indenização de US$ 50 bilhões aos antigos acionistas da petrolífera Yukos, decidiu o Tribunal Permanente de Arbitragem de Haia, no julgamento do processo aberto contra o governo russo pelos acionistas da empresa.
Segundo a decisão publicada no dia 28 de julho, Moscou será obrigada a devolver um valor aproximado de 70% da empresa aos acionistas, para compensar o prejuízo sofrido pelos antigos donos da empresa em decorrência da venda de seus ativos em 2004.
Caso a sentença permaneça a mesma após a análise do recurso, a parte vencedora poderá exigir o congelamento de quaisquer bens pertencentes à Rússia fora do seu território que não estejam sendo utilizados para os fins de representação de seus interesses.
Na opinião do tribunal de Haia, houve uma violação do Tratado da Carta da Energia por parte da Rússia, que de fato expropriou a empresa de seus proprietários legais em 2004, repassando a petrolífera Yuganskneftegaz, principal ativo da Yukos, à estatal Rosneft, entre outras mudanças.
Após a divulgação da decisão judicial, o ministro das Relações Exteriores, Serguêi Lavrov, e representantes do Ministério das Finanças da Rússia revelaram sua intenção de entrar com recurso, solicitando uma segunda análise do caso pela corte holandesa. Segundo os ministérios, o país assinou o Tratado da Carta da Energia, porém deixou de ratificá-lo, o que proíbe o julgamento do caso por qualquer tribunal de Haia.
A decisão poderá afetar as gigantes estatais do país, tais como a Rosneft e a Gazprom, entre outras companhias que atuam no ramo de petróleo e gás, nomeadas como beneficiárias da falência da Yukos pelo Tribunal de Haia. "Como a Gazprom e a Rosneft foram incluídas na lista dos requeridos do processo contra a Federação Russa, elas também não escaparão do pagamento de uma parte da indenização de US$ 50 bilhões, previsto pela sentença", explica Dmitri Gorbatenko, advogado do escritório de advocacia Plechakov, Uchkalov e Associados.
Na opinião do advogado, há a possibilidade de transferência da responsabilidade pelo pagamento da compensação às empresas em questão, que, na pior das hipóteses, resultará no congelamento de seus bens em solo estrangeiro.
"A decisão sem dúvida foi influenciada em grande parte pelas forças políticas, e de modo geral pode ser considerada uma continuação da luta dos países ocidentais contra as empresas russas", acredita Aleksêi Kozlov, analista sênior da empresa de investimentos UFS IC.
Ativos ameaçados
De acordo com Vladislav Tsepkov, sócio sênior da empresa de advocacia Iúrlov e Associados, o governo russo tem dez dias para apresentar o seu recurso aos tribunais holandeses após a divulgação oficial da sentença que, segundo ele, prevê o pagamento da indenização até o dia 15 de janeiro de 2015, a partir do qual começará o acúmulo de juros.
Segundo estimativas de especialistas, a rejeição do recurso apresentado pela Rússia após a divulgação da sentença do caso da Yukos resultará em possíveis congelamentos dos bens pertencentes ao país localizados fora do seu território, que segundo Gorbatenko incluiriam "quaisquer ativos da Federação Russa não sujeitos à imunidade estatal".
Para Vitáli Tsvetkov, diretor do departamento de análise de informação da consultoria Gradient Alfa, o valor total de posses da Rússia em solo estrangeiro não atinge US$ 50 bilhões, enquanto as embaixadas, consulados e representações do país são protegidos pela lei e não podem ser repassados aos requerentes. "Apesar do risco de perder seus ativos localizados fora do território nacional, as empresas estatais da Rússia não precisam se preocupar por enquanto, pois, devido à falta de precedentes, os processos judiciais de expropriação seriam complexos e demorados", acredita o especialista.
Outros casos
O caso da Yukos não é a primeira derrota da Rússia nos tribunais internacionais. O processo mais conhecido foi julgado em 1993 pela Corte de Luxemburgo, que condenou o país a indenizar a empresa suíça Noga no valor de US$ 300 milhões, por conta de dívidas ligadas a acordos para o fornecimento de alimentos em troca de petróleo em 1991 e 1992. A empresa suíça chegou a reter aviões das forças armadas russas, confiscar obras artísticas do país e congelar contas correntes de empresas estatais russas na tentativa de reaver o valor da dívida. O caso foi encerrado apenas em 2009, quando o Tribunal Federal de Recurso dos Estados Unidos se recusou a reconhecer as demais demandas da empresa.
Em 1998, o empresário alemão Franz Sedelmayer ganhou uma compensação do governo russo no valor de cerca de 2 milhões de euros, conforme uma decisão judicial tomada pelo Tribunal de Arbitragem de Estocolmo. Em 2010, uma corte sueca aprovou a sua solicitação de congelamento do prédio da representação comercial da Rússia na Suécia, que foi vendido em leilão em fevereiro de 2014, e o valor da transação foi repassado ao empresário.